Como dar conta de um labirinto chamado Fernanda Young

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Guerrilheiras, uma futura presidente, sambistas, mães em defesa de seus filhos - as mulheres são sempre as personagens preferenciais no cinema de Susanna Lira. Sozinha, ou em parceria, em filmes como Mataram Nossos Filhos, Damas do Samba, Torre das Donzelas, Nada Sobre Meu Pai, Susanna traça perfis, mas até ao filmar individualidades ela está pensando no coletivo. Retrata pessoas para abordar as grandes questões da sociedade. Não é diferente com o documentário Fernanda Young - Foge-me ao Controle, já disponível no Globoplay.

 

Lançado no festival É Tudo Verdade deste ano, recebeu o prêmio de montagem. Foi o melhor filme no Festival de Paraty. Foram três anos de intenso trabalho para dar conta de uma figura que, embora conhecidíssima, Susanna revela por um novo ângulo. Fernanda Young (1970-2019) escreveu livros, programas de TV, ganhou visibilidade com suas performances e provocações. Aliás, dois romances inéditos deixados pela escritora chegam agora às livrarias no livro Chatices do Amor (Record).

 

O volume reúne O Piano Está Aberto e O Livro. O primeiro aborda temas como amor e depressão e é contado sob a perspectiva de Anna, uma personagem introspectiva que encontra na música um meio de expressar sua tristeza. Já O Livro reúne os derradeiros escritos da autora, fruto de um acordo singular com sua analista, que estipulava a produção de novos textos como condição para o retorno às sessões de terapia. Ambas as obras foram publicadas exatamente como deixadas pela escritora.

 

MÁGOA

 

Fernanda Young não era uma unanimidade. Fazia o gênero ame-a ou deixe-a. A própria Fernanda retribuía. Considerava-se injustiçada. Por intermédio de uma mulher, Susanna está retratando quantas mulheres? De cara, Fernanda expõe sua mágoa. Desde criança, sempre quis ser escritora. Escreveu todos aqueles livros, 15! Apesar disso, nunca recebeu reconhecimento da crítica, da intelectualidade. O preconceito está no centro da questão. Outras personagens de Susanna já tiveram de encarar o mesmo problema.

 

No poema Às Vezes Sinto Vontade de Faltar com a Verdade, Fernanda expõe sua revolta, mas afirma que gosta de ser lambida pela coragem. Conclui que o melhor mesmo é encarar a realidade, e é isso que também gosta de fazer a diretora. Susanna leu muito - livros, poemas, entrevistas -, assistiu a muitas horas de material gravado. Concluiu que não era o caso de adotar o formato chamado de cabeças falantes. Ninguém dá seu depoimento - como Fernanda era maravilhosa, ou irritante, coisas assim. Maria Ribeiro faz a locução, dando sua voz à própria artista em seus desabafos. A Fernanda do filme é uma cabeça pensante, e um corpo que não teme a exposição. Coloca-se nua ante a câmera. Veste-se de noiva para desmistificar a própria imagem.

 

Complexa, labiríntica - é assim que Susanna a define. "Seus temas recorrentes são o tempo, o amor, a memória, a morte, e são os mesmos que me atraem." Tudo a levava a Fernanda Young. O próprio formato lhe foi sugerido pelo que leu, viu e descobriu sobre sua personagem. É um documentário ensaístico, com um tanto - muito? - de ficção em sua estrutura. Susanna estudou na mesma escola de Fernanda, mas não pertenciam à mesma turma. Sabia quem ela era, mas não chegaram a se conhecer. Esse conhecimento veio por meio da obra.

 

REENCONTRO

 

"Ela deixou muito material, falava de si, da condição da mulher. Quando mergulhamos na sua obra percebemos que tem consistência. Não estávamos preparados para aquela figura. Precisamos de tempo para assimilá-la." E Susanna aposta: "Fernanda vai ficar mítica". Prova disso é a acolhida que o filme recebeu. "São muitas as manifestações de pessoas que admitem não saber que Fernanda era tudo isso. E as que já sabiam ficam felizes com o reencontro. Esse é o meu filme, meu recorte, mas tenho a impressão de que ainda virão muitos trabalhos sobre ela."

 

O recorte de Susanna privilegia a escritora. O parceiro de arte e vida, Alexandre Machado, que escreveu com ela Os Normais e Shippados quase não aparece. Machado, com mais idade, sempre identificou no caos feminino a fonte de energia, e Fernanda era a própria energia. Ele deu todo apoio à diretora, jamais interferindo no projeto.

 

Aos olhos do público, e claro, na produção televisiva, formavam uma dupla dinâmica. Um certo feminismo tenta transformar hoje o homem em inimigo. Não era o caso de Fernanda, nem de Susanna. "Identificamos o que é preciso criticar, e mudar, acreditamos na diversidade, mas o homem, na vida da Fernanda, como na minha, é companheiro de lutas." Não por acaso, ela abriu uma brecha em suas mulheres para retratar, por exemplo, Mussum, no documentário Um Filme do Cacildis.

 

Fernanda morreu em 2019, aos 49 anos. Teve uma crise de asma, sofreu uma parada cardíaca num sítio em Gonçalves, no interior de Minas Gerais. Não chegou a ter o atendimento de que necessitava. Susanna poderia ter reconstituído o opus final. Prefere lembrar que, durante toda a sua vida, Fernanda brigou pelo reconhecimento como escritora. Seu único prêmio, e não deixa de ser uma trágica ironia, só veio após sua morte. Pós-F: Para Além do Masculino e do Feminino ganhou o Jabuti de crônica três meses após a partida da autora.

 

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Chefe da delegação brasileira na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, lamentou a saída da Argentina da conferência. "O negacionismo sobre a questão climática é muito ruim", disse Alckmin.

A afirmação foi realizada em entrevista logo depois dele participar de uma sessão de alto nível, a última agenda coletiva antes de voltar para o Brasil.

"Está nítida a repercussão das mudanças climáticas na economia", afirmou o vice-presidente, acrescentando que, na reunião da qual acabara de sair, houve um alerta sobre o impacto negativo da crise climática no Produto Interno Bruto (PIB) global. "Acabamos de ouvir agora que ela pode derrubar o PIB, a questão das mudanças climáticas", disse.

Segundo estudo da Central Banks and Supervisors Network for Greening the Financial System, representada na sessão pela presidente Sabine Mauderer, o PIB global vai cair em 15% até 2050.

"A ciência é para ajudar a humanidade, para que as pessoas possam viver melhor, ter uma qualidade de vida melhor", concluiu o vice-presidente.

A juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, substituta da Justiça Federal de Ponte Nova (Minas), absolveu a Vale, a Samarco e a BHP das acusações de crimes ambientais na tragédia de Mariana - a qual deixou 19 mortos e lançou 13 mil piscinas olímpicas de lama tóxica no Rio Doce em 2015. A magistrada livrou as empresas de imputações de destruição de bem protegido, poluição qualificada, omissão, obstrução de fiscalização e falsidadade de documento.

Ao Estadão, o advogado Alberto Zacharias Toron, que representa a BHP, afirmou que a decisão é "longa, minuciosa e mais do que acertada".

O advogado indicou ainda que a sentença "não elide a eventual responsabilidade civil das empresas, que está sendo objeto de um grande acordo".

A sentença de 191 páginas assinada na madrugada desta quinta, 14, após oito anos de tramitação do processo na Justiça de Minas, sustenta que não há prova suficiente para condenação, que as empresas não teriam concorrido para as infrações e ainda cita "atipicidade da conduta" - quando determinada conduta não é prevista como crime.

"Após uma longa instrução, os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais as condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão. E, no âmbito do processo penal, a dúvida - que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença - só pode ser resolvida em favor dos réus", anotou a magistrada.

A decisão foi proferida em meio a uma sequência de eventos ligados à tragédia de Mariana: a homologação, pelo STF, do acordo de R$ 170 bilhões para reparação dos danos da tragédia; e o início de julgamento, em Londres, sobre possível indenização aos atingidos pelo tsunami de dejetos, no bojo de um processo ambiental coletivo que é considerado maiores do mundo.

A absolvição também atingiu: Ricardo Aragão, ex-presidente da Samarco (2012-2015); Kleber Luiz de Mendonça Terra, ex-diretor de Operações (2012-2015); Wagner Milagres Alves, Gerente Geral de Operação de Mina (2014-2015); Germano Silva Lopes, Geral de Projetos Estruturantes (2014-2015); e Daviély Rodrigues Silva, gerente de geotecnia (2008-2015).

A juíza juntou uma espécie de preâmbulo à sentença, anotando que tomou "a única decisão possível diante da prova produzida, convicta de que o exercício do poder punitivo em um Estado Democrático de Direito é subsidiário, fragmentário e não pode ser convertido em um instrumento de escape para a ineficácia das demais formas de controle social".

Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho cita o acordo de R$ 170 bilhões para reparação da tragédia e diz esperar que todos os atingidos pela catástrofe "justa e efetivamente reparados, consciente de que mesmo a mais vultuosa das indenizações já pagas será incapaz de compensar o que lhes foi tomado".

Segundo a magistrada, nem uma "sentença penal condenatória proferida em uma miríade de incertezas poderia honrar a memória daqueles que perderam a vida" no desastre.

Falta de provas sobre relação entre omissão e desastre

Ao analisar a responsabilidade penal da Samarco ante ao rompimento da barragem de Fundão, a magistrada entendeu que, apesar do reconhecimento de omissões de funcionários e da empresa do caso, a falta de prova sobre a relação de causa e feito entre tais omissões e a tragédia levou à absolvição de pessoas e, por consequência, da empresa.

O Ministério Público Federal ainda atribuia à empresa a adoção de política de redução de custos com a segurança de barragens e mau gerenciamento da governança de barragens.

Na avaliação de Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, as análises realizadas no curso do processo, pela Procuradoria e pela Polícia Federal, nãom era conclusivas e indicavam "apenas a sugestão de que a política de redução de custos, adotada pela nos anos que antecederam o rompimento da barragem de Fundão, pode ter impactado no fator segurança".

"A prova dos autos não indica um problema grave na gestão executiva da Samarco que explique o rompimento da barragem de Fundão", anotou a magistrada.

Deficiência na comunicação poderia levar a condenação "hipotética" por autorresponsabilidade

De outro lado, Patrícia reconheceu que não havia uma "comunicação devidamente orquestrada" na Samarco. Segundo ela, a deficiência na comunicação ficou evidenciada "em uma situação que pode ter importado para o rompimento da barragem, mas o nexo causal não foi provado no curso da ação".

A situação em questão remete a um relatório de 2014 com "impressões técnicas relevantíssimas" que não foi compartilhado com a empresa contratada para elaborar o laudo de estabilidade da barragem de Fundão.

"Não se pode afirmar o que teria acontecido se o dito relatório tivesse maior publicidade. [...] Talvez a realização completa do estudo, seguido da construção de uma berma mais robusta, como sugerido pelo consultor, não tivesse impedido ou mesmo retardado o rompimento abrupto da barragem de Fundão. Ou talvez tivesse, e então a barragem não teria se rompido", anotou a juíza. "Impossível determinar sem uma prova técnica (ou quesito) dirigido a este esclarecimento. E como já fundamentado, não há nos autos qualquer prova que aclare esse nexo causal", seguiu.

Patrícia ponderou que este último ponto poderia levar a uma "hipotética" condenação da Samarco se a legislação brasileira "tivesse evoluído a ponto de admitir a responsabilização criminal da pessoa jurídica fundada em sua autorresponsabilidade".

A juíza ainda refletiu sobre aplicar ao caso - em tal sentido de autorresponsabilidade - um precedente do Supremo Tribunal Federal, mas entendeu que seria necessário que o MPF provasse os "aspectos pertinentes aos critérios de imputação da pessoa jurídica, o que definitivamente não foi feito".

Com a palavra, o advogado Alberto Zacharias Toron, que representa a BHP

"A sentença da juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho é longa, minuciosa e mais do que acertada. Uma primeira observação que se deve fazer neste caso é que, a despeito de toda dor causada pelas mortes, a despeito de todo mal ambiental causado pelo acidente, a juíza apreciando os fatos, a partir dos relatos que constam no processo e de todas as perícias realizadas, chega a conclusão de que não houve imprudência, imperícia e menos ainda qualquer dolo, mesmo na vontade, mesmo na modalidade eventual, que tivesse dado causa a esse triste acidente - ao contrário. As perícias demonstram que a obra representada pela barragem estava de acordo com a arte desse tipo de edificação. Em outras palavras: a obra se apresentava edificada de forma correta. E ela vai além. Não houve nenhum incremento em termos de atividade de risco que tivesse dado causa ao rompimento da barragem. Aliás, é expressivo o fato de que a principal testemunha acusação, o professor Pimenta Ávila, foi expresso na audiência, na frente do Ministério Público, dos juízes, de todos os advogados quando disse que nem Deus poderia prever o rompimento da barragem. Ou seja, no estado em que ela se encontrava era imprevisível o acontecimento. Então, isso não pode ser debitado de maneira nenhuma à Samarco, a BHP, à Vale e aos engenheiros que trabalhavam na obra. Portanto é uma sentença que merece aplauso. É bom ressalvar que isso não elide a eventual responsabilidade civil das empresas, que obviamente como foi amplamente noticiado está sendo objeto de um grande acordo. Acho que se fez justiça e essa decisão merece aplausos efusivos, porque a Justiça dá a exata dimensão do que é ser juiz penal especialmente num caso como esse que causou tanta dor e tanto clamor também."

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que a debandada da Argentina da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), que ocorre em Baku, no Azerbaijão, tem um impacto de natureza política e simbólica.

"É um processo que vai na contramão das exigências que o mundo está fazendo. Todas as sociedades estão pagando um preço muito alto da mudança do clima, e cada país que se recusa a fazer o dever de casa está contribuindo para o agravamento dessa situação que prejudica a vida das pessoas, os sistemas agrícolas, os sistemas de produção industrial em todos os níveis", disse a ministra na manhã desta quinta-feira em Baku.

Marina afirmou que Brasil vai trabalhar para que os países assumam seus compromissos e tenham meta de redução ambiciosa.

Ela também defendeu que os países "que optam por produções intensivas em carbono acabarão prejudicando seus próprios produtos, porque alguns continuarão nos esforços de mudança tecnológica, de investimentos para alcançar resultados de produção com menos emissão.

"O maiores prejudicados serão aqueles que querem uma economia carbono intensiva do início do século XX e que ficarão trancados pelo lado de fora da economia de baixo carbono", disse Marina.