O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o projeto de lei, aprovado no Senado, que equipararia o diabetes tipo 1 à uma deficiência. A decisão foi publicada na edição do Diário Oficial da União desta segunda-feira, 13.
Se a lei fosse sancionada, pessoas afetadas pela doença passariam a ter os mesmos direitos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência, como atendimento prioritário, reserva de vagas em programas habitacionais e recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Na justificativa do veto, o presidente argumenta que, apesar "da boa intenção do legislador", a proposta contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
De acordo com essa diretriz, diz o texto, "a deficiência resulta da interação entre a pessoa e as barreiras sociais, e não de uma condição médica específica".
"A proposição contraria o interesse público ao classificar o diabetes mellitus tipo 1 como deficiência sem considerar a avaliação biopsicossocial, que percebe os impedimentos da pessoa em interação com o meio, em conflito com a Convenção Internacional", afirmou.
O texto também justifica que a proposta não avalia devidamente o impacto financeiro da mudança. "A proposição resultaria em aumento de despesa obrigatória de caráter continuado, sem que tenha sido apresentada estimativa de impacto orçamentário e indicada fonte de custeio ou medida de compensação, em descumprimento aos requisitos da legislação fiscal", diz.
Segundo o presidente da Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD), Abrão Dib, embora o governo aponte a necessidade da avaliação biopsicossocial, o País ainda não possui um sistema nacional de avaliação unificada da deficiência difundido e efetivado.
"A definição das diretrizes da avaliação biopsicossocial está engavetada no palácio do planalto. Assim, é algo que ainda não dá para fazer em todo o Brasil. O governo está cobrando uma coisa que não existe, que ele mesmo não oferece", afirma.
Por outro lado, a ANAPcD demonstra preocupação com a definição do diabetes tipo 1 (DM1) como deficiência, temendo que direitos sejam "inflados". "Não existe uma doença que dá direitos, mas sim as sequelas de uma doença, e isso tem que ser justificável", diz.
Segundo Dib, o governo errou na sua justificativa, mas a relação entre deficiência e barreiras merece de fato ser avaliada. "Somente quem passa por dificuldades em função da doença deve ser considerada uma pessoa com deficiência", argumenta.
Já a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) emitiu uma nota, destacando que a a Convenção Internacional e o Estatuto das Pessoas com Deficiência já estabelecem a DM1 como uma deficiência em diversos países, como Estados Unidos, França e Colômbia.
Além disso, a SBD afirma que sempre sugeriu o uso da avaliação biopsicossocial como critério para a definição de quem terá o benefício, considerando questões como renda familiar e idade. A entidade médica reforça ainda que a necessidade da avaliação para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) é citada no PL.
A SBD lembra que, de acordo com a previsão do Instituto Diabetes Brasil (IDB), estima-se que cerca de 28 mil indivíduos seriam acrescentados aos que já recebem o BPC, com aplicação de filtros como idade e renda.
Em relação à fonte de custeio, a SBD sugere que haja uma discussão com os autores do PL. No entanto, ressalta que, com base em estudos internacionais, em curto e longo prazo os recursos poderão ser retomados a partir da economia alcançada com a redução das internações hospitalares e dos custos associados à presença de complicações do diabetes.
Diabetes tipo 1
No Brasil, entre aqueles com diabetes, estima-se que de 5% a 10% convivam com o tipo 1 (entre 1 milhão e 2 milhões de pessoas). A Federação Internacional de Diabetes estima que o Brasil seja o terceiro país do mundo com mais indivíduos com a condição.
O diabetes tipo 1 é uma condição na qual o corpo não produz insulina naturalmente. Trata-se de uma doença autoimune de origem genética que geralmente se manifesta na infância ou na adolescência.
Diferentemente do tipo 2, relacionado ao estilo de vida e à obesidade, o tipo 1 é considerado mais grave. O corpo destrói as células beta do pâncreas, responsáveis por sintetizar insulina. Sem o hormônio, as moléculas de glicose não são totalmente quebradas e, ao invés de entrarem nas células, ficam circulando pelo sangue.
As oscilações no nível de glicose elevam o risco de complicações em médio e longo prazo, como problemas nos olhos, nos rins e nos nervos, além de favorecer infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Para compensar a falta do hormônio e regular o açúcar no sangue, é indispensável o uso de injeções de insulina.
Como funciona o veto
Os projetos de lei aprovados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal vão à sanção do Presidente da República. No entanto, se considerar o texto inconstitucional ou contrário ao interesse público, o presidente tem poder para vetá-lo total ou parcialmente em um prazo de 15 dias úteis.
Os textos vetados, como mostrado pelo Estadão, voltam então à análise dos parlamentares no plenário do Congresso dentro de 30 dias. Cabe aos deputados federais e senadores, em sessão conjunta, decidirem se derrubam ou não o veto presidencial.
O veto presidencial poderá ser derrubado caso os parlamentares formem maioria absoluta separadamente: 257 votos de deputados e 41 votos de senadores. Se a rejeição ao veto for aprovada em uma das Casas, mas não obtiver votos suficientes na outra, ele é mantido. Se os vetos forem derrubados pelos congressistas, o novo texto é enviado para promulgação pelo presidente.