Duro e realista, filme relata luta pela sobrevivência após queda de avião nos andes

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O jornalista e escritor uruguaio Pablo Vierci nunca se esquecerá do momento em que ouviu os 16 nomes. Estavam vivos, dois meses depois da queda de um avião nos Andes. Meio século mais tarde, um filme sobre a incrível epopeia homenageia também os 29 que morreram.

 

"Faltava contar a história global", conta Vierci, produtor-associado de A Sociedade da Neve e autor do livro de mesmo nome, lançado em 2008, sobre o célebre acidente aéreo de um grupo de uruguaios na cordilheira entre Argentina e Chile em 1972.

 

"Tendemos a focar muito nos sobreviventes, porque era tão épico o que eles haviam conseguido. Mas os outros 29 ficaram nas sombras. Em um caso bastante atípico, o fato é que os 16 estão vivos graças ao fato de que houve mortos", afirma Vierci, colega de escola e vizinho de muitos dos que viajaram no fatídico voo 571.

 

Doze pessoas morreram em 13 de outubro de 1972, quando um avião da Força Aérea Uruguaia, fretado para levar uma equipe de rúgbi amadora e seus amigos e familiares, caiu no Vale das Lágrimas, nos Andes argentinos, perto da fronteira chilena e a quase 4 mil metros de altitude. Outros 17 morreram depois, na montanha.

 

Ao final de uma odisseia heroica, dois sobreviventes conseguiram chegar ao Chile para pedir ajuda e os outros foram resgatados após 72 dias de frio extremo e serem obrigados a consumir a carne dos mortos. Esse "pacto de entrega mútua" na imensidão da neve comoveu o cineasta espanhol Juan Antonio Bayona, que leu o livro de Vierci enquanto filmava O Impossível, em 2011.

 

O longa de Bayona sobre o "milagre dos Andes", ovacionado no Festival de Veneza, premiado no de San Sebastián e escolhido para representar a Espanha no Oscar, estreia dia 14 nos cinemas e em 4 de janeiro na Netflix.

 

ABRAÇO FINAL. A impactante história já foi tema do filme mexicano Sobreviventes dos Andes (1976), de René Cardona, e da produção hollywoodiana Vivos (1993), de Frank Marshall, com Ethan Hawke e Josh Hamilton. E inspirou documentários, como A Sociedade da Neve (2007), do uruguaio Gonzalo Arijón.

 

Mas o filme de Bayona, idealizado em 2016, é especial porque cumpre "várias premissas imprescindíveis": conta com a anuência de todos os sobreviventes e enlutados, é falado em espanhol e mostra esse "não desistir" que é parte da idiossincrasia uruguaia, segundo Vierci.

 

Não é cinema de catástrofe, nem filme de aventura ou thriller. "É uma experiência emocional inspiradora, no limite entre a vida e a morte, e, não obstante, de esperança", resume o escritor, de 73 anos.

 

Para seu amigo Daniel Fernández Strauch, que tinha 26 anos na época, o grande acerto do filme de Bayona é a autenticidade. "Nesse longa, as pessoas vão entender o que passamos", afirma o hoje engenheiro-agrônomo aposentado de 77 anos.

 

"Até a sensação de frio volta. É de um realismo total. A história é bastante dura, mas está muito bem contada", acrescenta Fernández Strauch, que, com os primos Eduardo e Adolfo, organizava o alimento, "a tarefa mais horrível de todas".

 

As filmagens de A Sociedade da Neve levaram 141 dias, em locações na Argentina, Espanha, no Chile e Uruguai.

 

O mais inesquecível de tudo foi a sua projeção aos sobreviventes, no dia 1.º de setembro, em Montevidéu. Fernández diz, ao recordar esse momento: "O abraço final de todos era como se a cordilheira tivesse vindo para Montevidéu. Estávamos todos lá". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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O papa Francisco, morto na segunda-feira, 21, aos 88 anos, tem uma única irmã viva, que mora na Argentina e não o viu desde que ele se tornou pontífice, há 12 anos. Em março de 2013, Francisco - ou Jorge Mario Bergoglio, para a família - foi para o Vaticano para participar do conclave que elegeria o sucessor de Bento 16 e nunca mais voltou para a Argentina. A irmã, doente, foi proibida pelos médicos de viajar até o Vaticano.

Maria Elena Bergoglio tem 76 anos e é a mais nova - e a única viva - dos quatro irmãos de Francisco. Depois dele, que era o mais velho, vinham Oscar (1938-1997), Marta Regina (1940-2007) e Alberto (1942-2010).

Em estado de saúde delicado há mais de uma década, Mariela, como é chamada, vive sob os cuidados de freiras em uma instituição católica de Buenos Aires. Divorciada e mãe de dois filhos - o arquiteto Jorge e o comerciante José - a irmã de Francisco falava com ele uma vez por semana, por telefone, e também trocavam cartas.

Mariela chegou a renovar o passaporte, na expectativa de viajar até o Vaticano, mas foi aconselhada pelos médicos a não enfrentar a longa viagem.

A distância tinha sido a razão pela qual, em 2013, Mariela torceu para que o irmão não fosse eleito papa. "Eu não queria que meu irmão partisse. Foi uma posição um pouquinho egoísta", admitiu depois, em entrevista à rede de TV CNN. Até então, nenhum latino-americano havia sido eleito para a função.

Durante o conclave de 2005, Jorge Bergoglio recebera cerca de 40 votos numa das votações quando, diante do impasse (ninguém conseguia alcançar os dois terços de votos, necessários para se eleger), pediu que quem havia votado nele votasse no cardeal alemão Joseph Ratzinger, afinal escolhido papa, o Bento XVI.

Assim como o irmão, Mariela achava que em 2013 ele não seria eleito. Estava em casa lavando a louça quando ouviu na TV que o novo papa havia sido escolhido. Sentou em frente à TV: "Assim que ouvi 'Jorge Mario', congelei completamente. Nem cheguei a escutar o sobrenome nem o nome que ele havia escolhido como papa. Comecei a chorar, inconsolavelmente", contou depois, em outra entrevista à imprensa argentina.

Logo após o anúncio, Mariela recebeu uma ligação do irmão. "Não sei como ele conseguiu se comunicar. Meu filho atendeu e disse 'oi, tio' e parece que o mundo caiu em cima de mim. Estávamos os dois muito emocionados. Ele contou que as coisas aconteceram assim e não havia nada mais que fazer a não ser aceitar. Ele parecia bem, não transmitia nenhuma preocupação, ao contrário, transmitia muita alegria", contou a irmã à imprensa argentina, à época. "Disse a ele que queria abraçá-lo e ele me disse que já estávamos nos abraçando à distância, o que é algo que também sinto e que é real", completou Mariela.

A distância não mudou o afeto entre os irmãos, construído apesar da diferença de idade. "Ele sempre foi um irmão muito companheiro, muito presente, apesar das distâncias e dos compromissos com a Igreja. Falamos uma vez por semana, trocamos cartas e nos organizamos para compartilhar algum almoço em família, nos quais, até pouco tempo atrás, ele mesmo cozinhava", contou Mariela à revista argentina Hola, antes da morte do irmão. "Ele adora fazer suas lulas recheadas ou risotos de cogumelos, que aprendeu com uma receita herdada da nossa avó italiana."

Após quase um ano de rodadas de discussões e vai-e-vém para aparar arestas, o governo Lula entregou ao Congresso nesta quarta-feira, 23, a proposta de emenda à Constituição conhecida como PEC da Segurança Pública. O projeto é a principal aposta do Executivo para o setor.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, entregaram a PEC aos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), num evento no Palácio do Planalto. A tramitação do texto deve ser áspera: a oposição abriu uma trincheira contra o projeto antes mesmo de ele ser protocolado.

A PEC amplia as atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Federal (PF) para fortalecer o combate a facções criminosas, inclui na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e os fundos nacionais de financiamento do setor, fixa as atribuições das guardas municipais e prevê a criação de corregedorias e ouvidorias dotadas de autonomia funcional.

Após a reunião no palácio, Lula definiu a PEC como "uma posição muito sábia, que não quer interferir na responsabilidade e na autonomia de cada Estado na segurança pública", e afirmou que o projeto visa impedir "que o povo continue andando assustado" pelas ruas das cidades. Lewandowski reforçou a ressalva e enalteceu o ineditismo da proposta:

"Pela primeira vez na história republicana deste país, o governo federal resolve assumir a sua parte de responsabilidade em um problema extremamente complexo, que até hoje estava entregue aos Estados em grande parte, e em menor parte aos municípios. Essa PEC abre uma oportunidade para que o Congresso, depois de 36 anos de vigência da Constituição Federal, revisite esse delicado capítulo da segurança publica", afirmou o ministro.

Motta, por sua vez, disse que a proposta deve começar a tramitar nesta semana, e que não há uma pauta hoje que faça a "sociedade brasileira gritar mais por uma solução" do que a da segurança pública.

"Nós tivemos na semana retrasada a oportunidade de receber na residência da Câmara o ministro Lewandowski, onde houve uma apresentação prévia sobre os pontos da PEC. E eu diria que a PEC foi muito bem recebida. Estavam lá desde os líderes da oposição até os da situação. Pela abragência do tema, o Congresso fará amplo debate sobre a PEC. Daremos total prioridade à PEC", afirmou o presidente da Câmara.

Já Alcolumbre teceu elogios aos participantes presentes e sugeriu a criação de um grupo de trabalho unificado entre Câmara e Senado para deliberar sobre proposições relativas à segurança pública.

O texto começou a ser elaborado na gestão Lewandowski, empossado em fevereiro de 2024. Em junho, Lula recebeu a minuta com as linhas gerais da proposta, que previa fortalecer as polícias federais para combater grupos criminosos.

Em 1º de novembro, passadas as eleições municipais, o presidente reuniu governadores para discutir a PEC. A reação negativa de opositores ao governo federal, como o goiano Ronaldo Caiado (União), escancarou as dificuldades que o projeto poderia enfrentar no parlamento. Associações de policiais vieram a público para detonar o texto.

A principal crítica da oposição - de que a PEC esvaziaria as atribuições das políciais estaduais, principalmente a Civil e a Militar - levou Lewandowski a incorporar sugestões. Como o Estadão antecipou na ocasião, o novo texto passou a reforçar a autonomia dos Estados no combate ao crime, deixando claro que uma eventual invasão de competência das polícias estaduais não aconteceria.

A versão atualizada foi divulgada à imprensa pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 15 de janeiro. Além das linhas gerais, o documento trazia a PRF rebatizada como Polícia Viária Federal, que passaria a fazer o policiamento ostensivo em ferrovias e hidrovias federais, além das rodovias. As sugestões de ordem infraconstitucional, isto é, que podem ser resolvidas por meio de projetos de lei ou decretos, por exemplo, ficaram de fora. A ideia do governo é que regulamentações sejam ajustadas no futuro, de forma pontual.

Em 8 de abril, Lewandowski apresentou a PEC ao Congresso. No mesmo dia, apesar dos esforços do Executivo para aparar arestas do texto e ganhar apoio até da oposição, lideranças do Partido Liberal (PL) do ex-presidente Jair Bolsonaro passaram a centrar fogo na proposta, que nem havia sido protocolada.

A reação veio em série. A Comissão de Segurança Pública da Casa aprovou um requerimento, de autoria do líder da oposição, Luciano Zucco (PL-RS), convidando Lewandowski a se explicar sobre a PEC. O presidente do colegiado, Paulo Bilynskyj (PL-SP), afirmou que o governo federal quer "intervir nos Estados" e que o ministro quer "transformar a PRF numa guarda bolivariana". Já o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), coordenador da chamada de "bancada da bala", disse que a PEC era inócua em combater a criminalidade.

A partir de agora, a PEC deve ser apreciada por uma comissão especial da Câmara, ainda sem presidente nem relatoria. Ainda deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pela Comissão de Segurança Pública, antes de ir a votação no plenário.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quarta-feira, 23, que o governo tem "pressa em oferecer ao povo um sistema de segurança adequado à exigência da sociedade". A declaração ocorreu logo após Lula assinar o envio da PEC da Segurança Pública ao Congresso Nacional.

"É importante que a gente crie a imagem, na sociedade, da seriedade no combate ao crime, porque se não a gente não vai construir uma sociedade de pessoas fraternas", apontou.

Diante do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) e do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), Lula deu ênfase à "tarefa" de fazer com que a PEC - projeto que classificou como "magnífico" - seja debatida e votada "o mais rápido possível".

"Agora o crime organizado é transacional, internacional. Está envolvido no futebol, no poder Judiciário, na política, nos empresários, no mundo artístico. Envolvido em todas as áreas da sociedade. Uma verdadeira multinacional de produzir ilícitos e praticar violência, contrabandear armas, traficar drogas", destacou.

O presidente da República ainda frisou que é importante que o País estabeleça uma relação forte com países fronteiriços na questão do combate ao crime. "Tem muito país que passa a ideia de que problema da droga é nos países pobres, quando seria muito mais fácil cuidar dos viciados dentro dos próprios países. Seria mais fácil cuidar de contrabandistas nos seus países", indicou.

Prioridade

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reafirmou nesta quarta-feira, 23, que a PEC da Segurança Pública foi "muito bem recebida" pelos deputados. Ele sinalizou que, pela abrangência do tema, haverá no parlamento um amplo debate sobre o texto, mas garantiu "total prioridade", no Congresso, à proposta.

Motta afirmou que, assim que o texto chegar à Câmara, pretende enviar a PEC à Comissão de Constituição e Justiça. "Não há uma pauta hoje que a sociedade grite mais por uma solução que não seja segurança pública", indicou.

O presidente da Câmara destacou que o governo acerta ao mandar a PEC ao Congresso e indicou ter sugerido a criação de um grupo de trabalho para analisar outras propostas que possam "ajudar no tema".