A presidência da COP-30, a conferência climática das Nações Unidas, manifestou nesta segunda-feira,10, que espera uma retirada das metas e compromissos dos Estados Unidos, pelo governo Donald Trump. Os integrantes da presidência brasileira da COP30 manifestaram o entendimento de que os países devem ter "liberdade" na transição dos combustíveis fósseis.
O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, e a diretora executiva da COP30, Ana Toni, falaram a jornalistas sobre a primeira carta pública lançada pela organização brasileira. Ao comentar a discussão sobre financiamento, ele afirmou que a meta de é muito alta e indicou que não se pode ter a ilusão de que os países ricos - historicamente maiores poluidores - farão doação de dinheiro.
Corrêa do Lago é embaixador e secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Ana Toni é secretária nacional de Mudança do Clima, no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Ambos foram designados em janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e viajam neste mês para uma série de reuniões no exterior.
A expectativa de ambos é de que o setor privado e parte do setor público americano mantenham os compromissos anunciados no Acordo de Paris, pacto climático global assinado em 2015, a despeito da saída prometida pelo presidente Donald Trump. A COP30 busca alternativas para minimizar os impactos da decisão do republicano. Mas Ana Toni prevê que a próxima decisão da Casa Branca seja revogar o documento de metas e compromissos para redução de emissões de gases estufa, conhecido como NDC (sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada).
"Eles (EUA) têm uma NDC anunciada. Obviamente, a gente imagina que essa NDC vai ser retirada, mas isso ajuda a guiar as ações dos governos, subnacionais, governos dos Estados e das empresas", afirmou Ana Toni. "Não é a primeira vez que os Estados Unidos saem do Acordo de Paris, infelizmente. E a gente naquele momento viu um movimento dos subnacionais e das empresas de continuidade. Esperamos que participem muito ativamente também da COP30."
Trump anunciou em janeiro que vai deixar o Acordo de Paris, como fez em seu primeiro mandato. No entanto, por regra a efetiva saída somente será concretizada em janeiro de 2026.
Isso faz com que Washington tenha assento na mesa de negociação de novembro, em Belém. O grau de participação dos americanos, no entanto, ainda é motivo de especulação e preocupação das delegações.
O republicano já disse que pretende estimular a extração de madeira e a perfuração de petróleo como formas de estimular a economia americana.
O embaixador Mattias Frumerie, negociador climático da Suécia, também considera o cenário de retirada das metas americanas factível, como mostrou o Estadão. O documento foi submetido em dezembro de 2024, pelo ex-presidente Joe Biden, como forma de deixar um "legado" para os anos seguintes e reforçar compromissos ambientais de sua administração. Não há impedimento legal para que o teor seja revisto ou completamente abandonado.
"Ela (NDC) já foi depositada na UNFCCC. Ela já é pública. Se as empresas e os governos estaduais quiserem mantê-las como referência, eles vão fazer. O governo do presidente Biden fez isso provavelmente com esse objetivo", afirmou a diretora executiva da COP-30.
O grau de ambição dos países na atualização das metas - e até a falta de revisão delas -preocupa especialistas e negociadores. Eles consideram que os esforços podem ficar aquém do necessário para limitar o aquecimento médio global a 1,5ºC acima do nível pré-industrial. O limite foi rompido ano passado.
O governo Lula pretende se associar às Nações Unidas para fazer duas discussões entre líderes globais a fim de que reforcem suas metas e compromissos, as NDCs. Elas devem ocorrer antes da COP-30, marcada para novembro. Uma síntese será apresentada em outubro. O presidente disparou o alerta de que até fevereiro somente 17 dos 198 países da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) haviam atualizado suas metas.
"O Brasil tem feito todos os esforços possíveis. Estamos num trabalho árduo de entusiasmar os outros países a colocarem NDCs alinhadas com o 1,5ºC o mais rápido possível. Sabemos que o prazo já até passou. A gente tem feito um trabalho de 'diplomacia das NDCs' digamos assim", disse Ana Toni.
Fontes fósseis
Em 2023, na COP28 em Dubai, os países chegaram ao acordo, pela primeira vez, de realizar uma transição energética para se afastar do uso de combustíveis fósseis. No entanto, até no Brasil a questão se apresenta difícil, com a divisão no governo Lula sobre abandonar de vez ou não a exploração de petróleo.
O presidente estimula politicamente a pesquisa sobre a viabilidade de a Petrobras perfurar e produzir barris de petróleo na Margem Equatorial, uma zona próxima da Amazônia e da barreira de corais na Foz do Rio Amazonas. Ambientalistas são contrários a esse plano. Lula criticou publicamente a demora do órgão ambiental brasileiro responsável pelo licenciamento da prévio à pesquisa, o Ibama, em conceder autorização à estatal.
O assunto opõe alas do governo - sobretudo a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia). Lula fui duramente criticado por entidades ambientais por mandar sinais contrários às negociações climáticas, no ano que decidiu levar a COP para a Amazônia.
Questionado sobre eventuais constrangimentos à negociação por causa dos planos de Lula, o embaixador afirmou que o compromisso de deixar os combustíveis fósseis no passado será mantido, mas que o ritmo deve ser definido por cada governo, com base em avaliações de necessidade energética e de impacto econômico nacionais.
"A base do entendimento dentro da convenção é você dar a liberdade aos países de encontrar seu próprio caminho. E a gente tem visto países que tomam medidas às vezes surpreendentes, como diminuir o nuclear, quando todo mundo sabe que o nuclear é bom para a mudança do clima, independentemente do que se possa achar sobre outras dimensões", disse Corrêa do Lago.
"Mas há certos países que ainda vão precisar de carvão muito mais do que outros, porque eles têm uma dependência muito maior. Então, tudo vai ser muito de acordo com o que os países acreditam que é o melhor caminho. Há um reconhecimento internacional de que cada país tem a legitimidade de encontrar o seu próprio caminho com vistas a essa transição de afastamento dos fósseis", acrescentou.
Corrêa do Lago disse que as transições energéticas para o net zero, a neutralidade de carbono - estabelecidas nas NDCs - tem data estabelecidas pelos próprios países, individualmente. No caso do Brasil, o ano é 2050. O embaixador disse que não pode haver um debate "emocional" sobre os subsídios aos fósseis, mas sim informado.
"Como os países vão operar essa transição, depende muito do país. No caso do Brasil, depende até de regiões. Tem lugares no Brasil que são melhores para (energia) eólica, tem lugares no Brasil que são melhores para solar, etc. Essa transição fica a critério dos países. Não há dúvida que concordamos, todos os países do mundo, no balanço geral de Dubai, com aquela frase de se afastar das energias fósseis", afirmou o presidente da COP-30. "A gente não pode ter uma opinião emocional sobre essas coisas. A gente tem de ter muita informação sobre isso."
Rota para US$ 1,3 trilhão
O embaixador afirmou que Brasil e Azerbaijão - sede da COP-29 - colhem contribuições dos outros países e organismos multilaterais para apresentar na COP-30 um relatório sobre o financiamento, cujo objetivo é sugerir um "mapa do caminho" para que os recursos destinados à crise climática saiam de US$ 300 bilhões anuais para US$ 1,3 trilhão, até 2035.
O relatório não será votado ou negociado na conferência de novembro, mas apresentado pelos dois países. O cumprimento das formas de financiamento sugeridas, no entanto, não é compulsório. Corrêa do Lago cobrou na carta mais envolvimento de bancos multilaterais e instituições financeiras mundiais. Os recursos almejados são uma combinação de fontes públicas e privadas.
"Já começamos as primeiras consultas com os países, mas queremos imensamente que venham sugestões de todos os organismos e entidades que podem contribuir para que nós cheguemos a US$ 1,3 trilhão", disse o embaixador. "Esse número, muito alto, exige naturalmente uma grande mudança. Não vamos achar que esse valor vai ser doado pelos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Então, como é que definimos isso? Eu acho que esse é um dos papéis mais interessantes desses meses pela frente."
Há uma série de cobranças históricas porque os países desenvolvidos jamais cumpriram a anterior meta de destinar US$ 100 bilhões anuais. Os recursos destinados pelos EUA e Europa eram insuficientes, reconhece Corrêa do Lago, e agora com os esforços militares num cenário de guerra na Europa a mobilização de dinheiro deve se tornar mais difícil.
O documento Visão da COP30 foi divulgado também nesta segunda. A carta é uma praxe na diplomacia climática, mas em anos anteriores os organizadores a publicavam em data mais próxima da realização da conferência das partes. O País pede um "mutirão" em favor do clima.
O embaixador disse que a presidência brasileira quer ouvir os atores relevantes e não apresentar ideias prontas esperando a adesão de todos. Ele pregou que os negociadores precisam superar a "abstração" e conectar os acordos discutidos com a vida real das pessoas.