Investigação de esquema de evasão de divisas ocorreu em paralelo à mudança na lei de câmbio

Política
Tipografia
  • Pequenina Pequena Media Grande Gigante
  • Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Ao mesmo tempo em que andava a investigação sobre o esquema bilionário de evasão de divisas que envolvia criptoativos, lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) e financiamento do grupo terrorista Hezbollah, começava um processo que levou à exclusão de parte da responsabilidade dos bancos investigados pela Polícia Federal.

 

Os bancos, que eram alvos da investigação, negaram qualquer irregularidade e disseram que cumpriram a lei.

 

Era 12 de setembro de 2019 quando o governo Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso o projeto de lei 5.387, que ficou conhecido como novo marco legal do câmbio. Originariamente, o projeto não citava em seu artigo 4.º a responsabilidade dos bancos ou dos clientes pela classificação correta das operações de câmbio.

 

O parágrafo 2º do artigo dizia: "A instituição de que trata o caput adotará medidas e controles destinados a prevenir a realização de operações no mercado de câmbio para a prática de atos ilícitos, incluídas a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, nos termos do disposto na Lei nº 9.613, de 1998 (lavagem de dinheiro), observado o regulamento a ser editado pelo Banco Central". Mas o projeto cancelava o artigo da lei 4131, de 1962, que estabelecia a responsabilidade compartilhada entre ambos.

 

Em 7 de janeiro de 2020, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviou à Receita Federal, ao Banco Central, ao Ministério Público Federal em São Paulo e à PF o Relatório de Inteligência Financeira 43.719. Nele eram analisadas movimentações financeiras bilionárias de empresas e operadores de criptoativos envolvidos no esquema. Era o começo da investigação que atingiria os bancos.

 

Enquanto isso, o projeto de lei continuou tramitando no Congresso e recebeu seis emendas durante o ano de 2020, nenhuma delas tratava da responsabilidade dos clientes e dos bancos, definida na Lei de Remessa de Divisas, de 1962. Por cautela, a PF abriu uma apuração preliminar. Como encontrou indícios de crime e de autoria, em 9 de novembro de 2020, a Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros - a Delecor, da Superintendência da PF em São Paulo - resolveu instaurar inquérito e comunicar a Justiça.

 

Em 10 de fevereiro de 2021 o relator do novo marco legal do câmbio fez uma série de alterações no projeto original do governo Bolsonaro, entre as quais uma no parágrafo 2º do artigo 4.º do projeto, dizendo claramente que era do cliente a responsabilidade pela classificação da operação.

 

Aqui, segundo os policiais, aprofundava-se a retirada do principal argumento a ser usado pela PF para imputar aos funcionários das instituições financeiras os crimes investigados. O Estadão procurou o relator do projeto, o deputado Otto Alencar Filho. Ele afirmou por meio de nota que a proposta de mudança lhe foi apresentada pelo Banco Central e acatada.

 

Otto Alencar Filho diz que incluiu no parecer do projeto "dispositivos que simplificaram as obrigações tributárias acessórias exigidas pela Receita Federal, transferindo das instituições financeiras para os próprios contribuintes a responsabilidade pela classificação das finalidades das suas operações de câmbio, com a devida ressalva de que as instituições operadoras do mercado deverão prestar orientação e suporte técnico aos clientes que necessitarem de auxílio durante a operação".

 

De acordo com o deputado, "essa medida resultou em maior simplificação do ambiente de negócios, redução da insegurança jurídica sobre as instituições financeiras e foi fruto de uma relevante e oportuna contribuição do Banco Central, que, após criterioso estudo técnico, propôs ajustes voltados principalmente à segurança jurídica nas operações financeiras".

 

O Banco Central, em nota encaminhada à reportagem, afirmou que a o novo marco legal do câmbio "buscou, em nível legal, obrigar as instituições a se responsabilizarem pelo curso lícito de operações de câmbio ao invés de se eximirem dessa responsabilidade exigindo, mecanicamente, documentos que supostamente comprovassem a finalidade da operação".

 

Com as alterações acolhidas pelo deputado, o parágrafo 2º do artigo 4º do projeto passou a ter a seguinte redação: "É de responsabilidade do cliente a classificação da finalidade da operação no mercado de câmbio, na forma prevista no regulamento a ser editado pelo Banco Central do Brasil." O projeto ainda dependia de votação. No dia 9 de abril de 2021, a Delecor pediu à Justiça a quebra do sigilo bancários dos suspeitos de envolvimento no esquema.

 

A PF passou a oficiar os bancos que mantinham as contas dos investigados. Queria ter acesso aos documentos das operações e averiguar se eles haviam agido com a cautela necessária para evitar a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Queria saber ainda por que eles aceitaram fazer negócio com os investigados enquanto outros bancos se recusaram.

 

Em 29 de dezembro de 2021 foi aprovado o novo marco legal do câmbio (lei 14.286, de 2021). Como o BC não editou, na mesma data, as novas regras que deveriam ser seguidas pelos clientes para o registro de operações de câmbio, o País passou a viver um vácuo legal sobre o tema, segundo entendimento de delegados da PF. O novo marco criava uma "norma penal em branco". Ou seja, retirava da lei a fixação das obrigações pela exatidão das informações de câmbio e jogava para uma regulamentação a ser feita pelo BC.

 

Na ausência dessa nova regulamentação, as obrigações de clientes e de bancos ainda seriam definidas pela resolução 3978, de 2020, e pela carta circular 3.690, de 2013, todas do BC.

 

Esta última ainda tornava os bancos passíveis de punição no caso de declaração incorreta da finalidade da operação. Isso porque em seu artigo 2º ela dizia: "A classificação incorreta sujeita as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, autorizadas a operar no mercado de câmbio, às penalidades previstas na legislação e a outras sanções administrativas por parte do Banco Central do Brasil".

 

Foi por meio da Resolução 277, editada no fim de 2022, que o BC fez a regulamentação pedida pelo novo marco legal do câmbio. O texto da resolução, de 31 de dezembro de 2022, diz em seu artigo 4º que esse é um dever apenas dos clientes e não mais das instituições financeiras classificar corretamente as operações. A instituição financeira seria apenas obrigada a fornecer ao cliente formulários para que ele classificasse de forma correta a operação. Para a PF, não era mais possível acusar os bancos pela evasão de divisas e pela gestão fraudulenta.

 

A 'norma penal em branco'

 

O Estadão consultou dois juristas especializados em combate à lavagem de dinheiro. Eles afirmaram que o argumento da PF sobre possíveis condutas ilícitas deixou de existir, livrando os funcionários dos bancos de uma possível denúncia por gestão fraudulenta e evasão de divisas com base na Lei do Colarinho Branco. Isso porque, eles não podem ser mais responsabilizados pela classificação incorreta das informações sobre as operações.

 

O procurador de Justiça Arthur Lemos Júnior, com 25 anos de experiência no combate à lavagem de dinheiro, explicou o efeito prático da chamada "norma penal em branco". "A lei diz que traficar droga é crime, mas quem define o que é droga é o rol de substâncias entorpecentes da Anvisa. Quando uma delas deixa de ser considerada droga ilícita, o crime de tráfico em relação a ela deixa de existir. Aqui, quando a obrigação dos bancos deixou de existir, o crime também deixou", disse.

 

Os juristas consultados pela reportagem lembraram que, no Código Penal Comentado, Júlio Mirabete e Renato Fabbrini afirmam que há retroatividade da mudança da chamada norma penal em branco "se a norma complementar (como a Resolução 277) não estiver ligada a uma circunstância temporal ou excepcional, constituindo-se apenas em um aperfeiçoamento da legislação." Neste caso, dizem os autores, seria aplicado "o princípio da retroatividade de lei mais benigna". Ou seja, os bancos se livraram de todas as punições, tanto as penais quanto as administrativas. E nem mesmo os lucros auferidos com as operações, que eram ilícitas, segundo a PF, foram atingidos.

Em outra categoria

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um projeto de lei que obriga seu governo a divulgar todos os arquivos relacionados ao caso Jeffrey Epstein, após meses de resistência e sob pressão crescente dentro do próprio Partido Republicano. Segundo ele, a insistência democrata no tema busca "desviar a atenção de nossas VITÓRIAS MARAVILHOSAS", escreveu na Truth Social.

A legislação determina que o Departamento de Justiça publique, em até 30 dias, todos os documentos e comunicações referentes a Epstein, incluindo informações sobre a investigação de sua morte em uma prisão federal em 2019. O texto permite apenas redações vinculadas à proteção de vítimas ou a investigações em curso, proibindo retenções por "constrangimento, dano reputacional ou sensibilidade política".

A aprovação simboliza uma reviravolta para uma pauta que inicialmente parecia improvável, apoiada por uma coligação pouco usual de democratas, um republicano crítico do presidente e alguns ex-aliados de Trump. Diante do avanço inevitável no Congresso, Trump fez no fim de semana uma guinada abrupta, afirmando que o tema havia se tornado uma "distração" para a agenda republicana. "Não quero que os republicanos tirem os olhos de todas as vitórias que tivemos", escreveu na terça-feira.

A Câmara aprovou o texto por 427 votos a 1, com o deputado Clay Higgins, da Louisiana, como único dissidente, alegando que a linguagem poderia expor pessoas inocentes citadas na investigação. O Senado aprovou a proposta por unanimidade, sem votação formal.

Trump foi amigo de Epstein no passado, embora diga ter cortado laços muito antes das acusações e desconhecer os crimes cometidos pelo financista. Antes de seu retorno à Casa Branca, aliados próximos ajudaram a alimentar teorias de acobertamento na condução federal do caso, apontando possível ocultação de informações sensíveis nos arquivos.

O presidente Donald Trump anunciou, na noite desta quarta-feira, 19, que ele e o prefeito eleito da cidade de Nova York, Zohran Mamdani, vão se encontrar nesta sexta-feira, 21, para uma reunião na Casa Branca. O anúncio foi feito pelo republicano através da Truth Social.

"O prefeito comunista solicitou uma reunião", escreveu, afirmando em seguida que dará "mais detalhes em breve". O encontro deve acontecer no Salão Oval do palácio presidencial, local onde nos últimos meses Trump constrangeu de Volodmir Zelenski, presidente ucraniano, a Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul.

Esta semana, o mandatário recebeu o príncipe da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, e o jogador de futebol português (que atua agora pelo Al Nassr) Cristiano Ronaldo. Mamdani ainda não se pronunciou sobre o assunto. Mas na segunda-feira, 17, ele adiantou a possibilidade do encontro afirmando que sua equipe havia entrado em contato com a Casa Branca para agendar uma possível reunião. No domingo, 16, Trump disse a repórteres que planejava se encontrar com Mamdani.

Desde o período de campanha, Trump chama o novo prefeito eleito, que se intitula como socialista democrata, de "comunista". O presidente americano chegou a ameaçar deportar Mamdani, que nasceu em Uganda e se naturalizou cidadão americano em 2018, e cortar verbas federais da cidade.

(Com informações de AP)

O presidente Donald Trump publicou na madrugada desta quinta-feira, 20 (horário de Brasília), que "de acordo com a maioria" esse é "um dos melhores dez primeiros meses de mandato de um presidente na história dos Estados Unidos". A declaração foi feita em seu perfil na Truth Social, mas sem citar fontes.

A alegação entre aspas foi seguida por um "obrigado". O republicano tomou posse em 20 de janeiro deste ano, há exatos 10 meses. A publicação acontece um dia após Trump sancionar um projeto de lei para liberar arquivos do criminoso sexual Jeffrey Epstein, de quem o presidente foi amigo por mais de 20 anos. Na quarta-feira, 12, em novos e-mails divulgados por deputados democratas, Epstein dizia que era "o único capaz de derrubá-lo (Trump)".

Os dez primeiros meses do governo Trump são marcados por uma tensão crescente de um ataque à Venezuela, pelo shutdown mais longo da história dos Estados Unidos e pela imposição de tarifas a diversos países.