Funai muda critérios para definir quem é e quem não é índio

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A Fundação Nacional do Índio (Funai) decidiu mudar os critérios usados no País para determinar quem é índio ou não no Brasil. O reconhecimento como indígena, que até hoje era feito por meio de uma autodeclaração da própria pessoa, passa a incluir agora uma série de critérios, um tipo de prova que a fundação estabeleceu para "filtrar" aqueles que, em sua avaliação, não devem ser reconhecidos como pertencentes ao grupo étnico.

A decisão de publicar uma nova resolução com o objetivo de estabelecer novos critérios para a "autodeclaração indígena" tem gerado reação entre instituições e organizações que atuam na proteção dos povos originários. O Ministério Público Federal vê ilegalidade na medida.

Em sua resolução, a Funai afirma que os novos critérios passam a incluir: 1. vínculo histórico e tradicional de ocupação ou habitação entre a etnia e algum ponto do território soberano brasileiro; 2. consciência íntima declarada sobre ser índio (autodeclaração); 3. origem e ascendência pré-colombiana (existente o item 1, haverá esse requisito, uma vez que o Brasil se insere na própria territorialidade pré-colombiana); 4. identificação do indivíduo por grupo étnico existente, conforme definição lastreada em critérios técnicos/científicos, e cujas características culturais sejam distintas daquelas presentes na sociedade não índia.

A Funai alega que, com a medida, pretende "padronizar e dar segurança jurídica" ao processo de autodeclaração indígena, como forma de "proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população".

O Ministério Público Federal divulgou nesta quinta-feira, 4, em que recomenda à Funai a revogação imediata da resolução. O órgão afirma que a medida é inconstitucional e destaca que qualquer iniciativa relacionada ao reconhecimento da identidade indígena deve ser submetida à consulta livre, prévia e informada desses povos.

A nota pública foi elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF). No documento, o colegiado ressalta que a Constituição Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas o direito à autodeterminação, o que implica reconhecer sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Dessa forma, "está no plano da autonomia dos povos indígenas a definição, implícita na própria cultura, de critérios de pertencimento ao grupo e, portanto, a capacidade de reconhecer quem são seus membros", afirma o MPF.

A Câmara lembra que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é expressa ao estabelecer que "a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção", ou seja, para determinar quem são os povos indígenas.

Nesta quinta-feira, 4, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também divulgou um comunicado, no qual afirma que a resolução 4, publicada no dia 22 de janeiro, tem a finalidade, na prática, de repassar à Funai a função de dizer quem é e quem não é indígena no Brasil, o que antes era um papel dos próprios indígenas, direito garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

"A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denuncia este novo ato do governo federal, que declaradamente está contra os direitos dos povos e pede a imediata anulação da Resolução nº 4 da Funai. Alertamos para que todas as lideranças e organizações indígenas estejam atentas para essa medida e que exijam o cancelamento deste ato, que tem suas raízes na ditadura militar, época em que mais de 8 mil indígenas foram mortos no Brasil", afirma a Apib.

A avaliação da organização é de que o governo quer interferir no processo de autodeclaração indígena, sem sequer ter consultado os povos indígenas a respeito do assunto. "Com essa medida, a Funai violou tratados internacionais que são leis no Brasil e também a Constituição Federal. Querem que os povos indígenas sejam novamente TUTELADOS pelo estado brasileiro, como na década de 1970 quando existia o Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Não podemos admitir mais um retrocesso", declara a Apib.

A única forma de reconhecimento dos povos indígenas, segundo a organização, é o autorreconhecimento, que é um processo individual e coletivo, pois a comunidade ou povo tem a autoridade de reconhecer os indígenas, independentemente do local onde vivem. "Qualquer critério estabelecido pelo Estado é autoritário, limitador e cientificamente ultrapassado e equivocado", afirma a associação. "Não importa se o indígena passou a viver na cidade, se tem formação universitária ou se ele mora no território tradicional. Um indígena sempre será indígena, independentemente das condições sociais ou do local que vive, mantendo vínculos com a sua ancestralidade, modos de vida e cultura."

Procurada pela reportagem, a Funai informou que "a resolução tem respaldo em diversos preceitos jurídicos e estudos realizados no País e foi elaborada com base em entendimento da Procuradoria Federal Especializada junto à fundação".

O presidente da Funai, Marcelo Xavier, afirma que, embora "se considere que a identidade e o pertencimento étnico não sejam conceitos estáticos, mas processos dinâmicos de construção individual e social, a ausência de critérios na heteroidentificação pode gerar uma banalização da identidade indígena".

"O sentimento de pertinência ou o direito de uma pessoa sentir-se indígena não há de ser negado, contudo, o fato jurídico apto a gerar direitos aos indígenas depende de critérios que precisam ser minimamente definidos. Para uma melhor proteção dos grupos e indivíduos indígenas é necessário o aclaramento desses critérios, sob pena de tornar trivial e fútil a identificação indígena, diminuindo-lhe o valor", declarou Xavier, por meio de nota.

Marcelo Xavier afirma que "a resolução contribui para evitar fraudes e abusos que poderiam acabar subvertendo a função social" decorrente da identidade indígena. "Queremos evitar que oportunistas, sem qualquer identificação étnica com a causa indígena, tenham acesso à territorialidade ou a algum benefício social ou econômico do governo federal", diz. "A Funai acredita que a política indigenista deve ser fundamentada em três pilares: dignidade, pacificação dos conflitos e segurança jurídica. Dessa forma, temos trabalhado para construir uma nova realidade para os indígenas, pautada no respeito e na proteção dos direitos dessas populações."

O especialista em etonologia Marcio Santilli, um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), vê uma ação coordenada do governo para reduzir a população indígena. "Há uma política de governo orientada para excluir a maioria da população indígena dos direitos reconhecidos pela Constituição, ao se atribuir o direito de dizer quem é índio e quem não é, ao se negar a assistir as comunidades que vivem em terras com demarcações em curso e ao excluir das prioridades para vacinação os índios que não vivem em terras indígenas", disse ao Estadão.

A Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) produziu uma nota técnica sobre a resolução. Na avaliação da organização, a medida denota a intenção da Funai de "voltar a definir quem é ou não indígena, num retorno ao regime jurídico da tutela que embasava a atuação estatal antes da promulgação da Constituição de 1988, com o mesmo modus operandi do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI)".

"Essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos indígenas ao propor critérios sobre uma auto-identificação que é, por direito, subjetiva, não se reduzindo aos estereótipos ou características fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas 'pré-colombianas'", analisa a Assessoria Jurídica do Cimi.

Mourão

As regras da Funai, se aplicadas em 2018, poderiam afetar até mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão, que se declarou indígena em seu registro de candidatura ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O ato foi registrado após Mourão afirmar, em sua primeira agenda pública como vice de Bolsonaro, que tinha herdado a "indolência" do índio e a "malandragem" do africano, o que causou forte revolta reação dado o cunho racista de sua fala. Mourão declarou que seu pai é amazonense e que ele seria indígena.

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Na segunda-feira, 12, o Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que cuida da aviação civil, responsabilizou a Rússia pelo acidente envolvendo o voo da Malaysia Airlines abatido em 2014 na Ucrânia. Os 298 passageiros e tripulantes morreram. O governo russo sempre negou qualquer envolvimento no caso.

O avião, um Boeing 777 que transportava pessoas de 30 países diferentes, foi abatido por um míssil russo lançado por separatistas na região de Donetsk, no leste ucraniano, e foi um prenúncio do conflito que resultou na invasão da Rússia na Ucrânia em 2022. Confira a seguir perguntas e respostas sobre o caso, desde o acidente há 11 anos até a decisão atual.

O que aconteceu com o voo MH17 da Malaysia Airlines?

Em 17 de julho de 2014, o voo MH17, um Boeing 777 que viajava de Amsterdã para Kuala Lumpur, foi abatido enquanto sobrevoava a região de Donetsk, no leste da Ucrânia. Todas as 298 pessoas a bordo morreram.

Quem estava na aeronave?

Das 298 vítimas, 196 eram holandesas, 42 eram malaias e 27 eram australianas - ao todo, cidadãos de 30 países estavam a bordo do avião.

Quem foi considerado responsável pela queda na época?

A Ucrânia acusou separatistas pró-Rússia de terrorismo, enquanto a Rússia responsabilizou a Ucrânia. Autoridades ocidentais desde o início suspeitaram de que o avião foi atingido por um míssil.

O que as investigações internacionais concluíram?

Dois anos após a queda do jato, investigações apontaram que o Boeing foi abatido por um míssil Buk 9M38, disparado do território separatista de Donetsk, controlado por rebeldes apoiados pela Rússia, utilizando um lançador móvel russo. A unidade militar russa que forneceu o míssil também foi identificada.

Qual foi o resultado do julgamento na Holanda em 2022?

Um tribunal holandês condenou à prisão perpétua três homens, sendo dois russos e um ucraniano, com ligações com serviços de segurança russos pelo abate do voo. Eles foram considerados culpados de ajudar a organizar o transporte do sistema de mísseis BUK para a Ucrânia, embora não tenham disparado o míssil. Um quarto suspeito foi absolvido.

Qual a posição da Rússia sobre as acusações e o julgamento?

O Kremlin sempre negou qualquer envolvimento na queda do MH17 e afirmou que o tribunal holandês estava sob pressão política, desrespeitando os princípios da justiça imparcial.

A investigação sobre o caso foi encerrada?

Em 2023, os investigadores internacionais suspenderam as investigações por considerarem que não havia provas suficientes para processar outros suspeitos.

Qual foi a decisão recente da agência da ONU?

O Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), determinou que a Rússia foi a responsável pelo abate da aeronave que fazia o MH17 em 2014. O órgão considerou que a Rússia não cumpriu suas obrigações sob o direito aéreo internacional.

Na prática, o que a decisão da OACI significa?

A decisão da OACI foi considerada histórica na busca por justiça e responsabilização pelas vítimas. Austrália e Holanda pedem que a Rússia aceite sua responsabilidade e repare sua conduta. (Com agências internacionais).

O ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica morreu nesta terça-feira, 13, aos 89 anos, em Montevidéu, em decorrência de complicações de um câncer no esôfago. Ícone da esquerda latino-americana, Mujica construiu ao longo de duas décadas uma relação próxima com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcada por afinidades políticas, gestos de solidariedade e amizade pessoal.

O governo brasileiro prestou condolências por meio do Itamaraty, que classificou o uruguaio como "um dos mais importantes humanistas de nossa época" e "grande amigo do Brasil". A ligação entre os dois começou em 2005, quando Mujica, então senador, participou da posse do presidente Tabaré Vázquez. Lula, presente na cerimônia, ficou impressionado com o discurso do político uruguaio.

A relação se aprofundou a partir de 2010, quando ambos estavam na Presidência. Nesse período, firmaram acordos em áreas como agricultura, energia e defesa, sempre sob a bandeira da integração regional. Defensores do Mercosul e da Unasul, discutiram ainda propostas como a criação de uma moeda comum na região.

Momentos simbólicos reforçaram os laços entre os dois. Em 2018, Mujica visitou Lula na prisão em Curitiba, durante a Operação Lava Jato. "Ele estava de bom humor e preocupado com a América Latina", disse o uruguaio à época. Quatro anos depois, durante a campanha presidencial de 2022, Mujica participou da última caminhada de Lula na Avenida Paulista antes do segundo turno.

O reencontro mais emblemático ocorreu em janeiro de 2023, já com Lula de volta à Presidência. Em Montevidéu, os dois se encontraram na chácara de Mujica. A imagem dos líderes sentados em cadeiras de plástico e posando dentro do icônico Fusca azul do uruguaio viralizou nas redes.

Em dezembro de 2024, Lula concedeu a Mujica o grande colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, maior honraria do Brasil a estrangeiros. "Essa medalha que estou entregando ao Pepe Mujica não é pelo fato de ele ter sido presidente do Uruguai. Posso dizer que de todos os muitos presidentes que conheci, que tive amizade, o Pepe é a pessoa mais extraordinária", declarou.

Em resposta, Mujica disse: "Não sou um homem de prêmios e medalhas. Sou um homem do povo. Obrigado por termos nos encontrado nessa caminhada."

O último encontro entre ambos foi em março deste ano, durante a posse do presidente Yamandú Orsi, sucessor político de Mujica. Já sem tratar o câncer, o ex-presidente uruguaio recebeu de Lula o desejo de vida longa. Em nota, o presidente brasileiro chegou a dizer que Mujica está acima da média dos seres humanos.

Brasil e China assinaram em Pequim nesta terça-feira, 13, uma declaração conjunta de apoio à negociação de paz entre Rússia e Ucrânia, prevista para começar nesta quinta, 15, na Turquia, mas sem tocar em um ponto essencial para os ucranianos: a extensão por 30 dias de um cessar-fogo.

Em comunicado, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping defenderam que as conversas diretas "comecem o quanto antes", mas não falaram em garantias para o fim da agressão russa aos ucranianos. "Os governos de Brasil e China esperam que se inicie, no menor prazo possível, um diálogo direto entre as partes, única forma de pôr fim ao conflito", diz o documento.

Lula e Xi afirmam ainda que as negociações devem contemplar as preocupações legítimas de todas as partes. Depois de resistir a um cessar-fogo de 30 dias intermediado pelos EUA - aceito por Zelenski -, Putin anunciou no sábado a disposição de iniciar conversas diretas na Turquia, mas "sem precondições", ou seja, sem garantir o fim do avanço russo sobre território ucraniano.

Na semana passada, Zelenski havia pedido a Lula e Xi que intercedessem junto a Putin por uma trégua, o que o brasileiro fez durante sua visita a Moscou. Lula e Xi são vistos pelos ucranianos como interlocutores privilegiados junto ao Kremlin.

Em maio de 2024, os dois países haviam proposto seis princípios para um início de conversas. Putin defendeu a proposta, mas Zelenski rejeitou a ideia por ser muito favorável a Moscou. O plano citava um cessar-fogo, mas não apresentava ações ou etapas para o cumprimento da trégua e nem fazia menção à ocupação ilegal da Rússia dos territórios da Ucrânia.

"Esse tipo de proposta ignora o sofrimento da Ucrânia, ignora a realidade e dá a Putin o espaço político para continuar com a guerra", disse Zelenski, em referência à proposta, durante Assembleia-Geral da ONU, em setembro do ano passado.

Xi disse repetidas vezes que cerca de 110 países endossaram a proposta elaborada pelos conselheiros presidenciais Celso Amorim e Wang Yi. No entanto, somente 13 assinaram uma declaração formal de apoio no ano passado.

Turquia

Zelenski confirmou ontem que irá à Turquia amanhã para se encontrar com Putin. O presidente russo, no entanto, não confirmou presença na mesa de negociações diretas proposta por ele no fim de semana, que será mediada pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Para Zelenski, se Putin faltar às negociações, significa que ele "não quer a paz".

O presidente americano, Donald Trump, tem pressionado Zelenski a participar das negociações na Turquia, apesar dos apelos europeus para que a Rússia concorde primeiro com o cessar-fogo de 30 dias. Na segunda-feira, Trump deu a entender que poderia aparecer em Istambul.

"É possível sair um bom resultado da reunião na Turquia. Acredito que os dois líderes estarão lá. Eu estava pensando em ir, mas não sei onde estarei na quinta-feira (amanhã)", disse Trump. "Mas acho que há uma possibilidade de eu ir, se eu achar que as coisas podem acontecer."

Os europeus acusam Putin de querer ganhar tempo para avançar ainda mais suas posições no campo de batalha. A Europa vem aumentando a pressão para que os EUA imponham ainda mais sanções à Rússia, o que seria mais fácil se ficasse claro para Trump que o presidente russo está atrasando o processo de paz.

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Se Putin não aparecer em Istambul ou passar a impressão de que está deliberadamente emperrando um cessar-fogo ou se as negociações fracassarem na Turquia, o objetivo dos europeus é voltar à carga para pedir que Trump deixe a Rússia ainda mais isolada.

Para Putin, no entanto, comparecer pessoalmente às negociações de paz também tem seus riscos. Ele pode passar a ideia de que capitulou à pressão de Zelenski e da Europa. Além disso, ao sentar na mesma mesa que o presidente ucraniano, Putin pode legitimar um líder que ele nunca reconheceu - os dois se encontraram apenas uma vez, em 2019.

É provável que diplomatas europeus de alto escalão também estejam em Istambul amanhã, para garantir que a equipe de negociação da Ucrânia esteja pronta para as negociações, para as quais houve relativamente pouca preparação. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.